segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Adida.



Mesmo com a memória de éter que tenho, lembro perfeitamente daquele dia. O sol baixo, o céu meio cinza de um sábado qualquer. Estava saindo da livraria em que trabalhava, entrei no ônibus e a vi. Adida. Nunca vou esquecer esse nome. Ela me olhou e pude ver em seus olhos mareados o meu reflexo assustado.  Havia alguma coisa presa na garganta de Adida, talvez um grito. Na minha restou um nó. Não sei por que razão essa lembrança me tomou por completo hoje pela manhã e passei o dia inteiro meio embriagada. Fui trabalhar com a sensação de que a pequena menina ainda se sentava num banco atrás do meu e que carregava em seus braços aquela miudeza de alguns poucos meses de idade. Foram minutos. Foi quase uma eternidade. Fiquei por um bom tempo tentando imaginar o que se passava na cabeça de Adida. Disfarçava e olhava o seu rosto. Era tão pequena. Ela olhava o seu novo brinquedo nos braços e não se mostrava mais tão triste. Levantava o rosto e tudo parecia nublado. Mas aquele pedaço de gente que carregava junto ao seu seio parecia lhe dizer que a vida é bonita apesar das tempestades...
“Vamos, Adidinha! O nosso ponto chegou” levantou dizendo uma menina que sentava num banco da frente do ônibus. Sem dizer palavra, ajeitou os quilinhos poucos que levava no colo e levantou. E sumiu. E nunca mais a vi. Alguma coisa em mim mudou aquele dia. Certamente mudou...

domingo, 30 de outubro de 2011

não é.



Já passa de uma hora da manhã e ainda estou aqui. Sentei para escrever sobre um livro e fui acometida por um hiato criativo. Coisa complicada é essa de escrever porque é necessário para algum fim. Ainda não me acostumei com isso. Acho que nunca vou acostumar... Quando eu era bem guria queria ser escritora. A gente imagina coisas completamente distintas ao longo da vida. Eu mesmo, mudo de ideia a cada cinco segundos quanto aos meus planos para a velhice. Antigamente eu dizia que quando estivesse aposentada iria fazer faculdade de filosofia. Hoje eu riu dessa ideia. Ultimamente tenho pensado em sumir no mundo. Comprar uma casinha com jardim numa cidade perdida no meio do nada e viver à custa de sol e tinta. Às vezes eu penso que me tornarei uma velha chata. 
Na verdade verdadeira o meu sonho de criança sempre foi ter super-poderes. No inicio eu pensava que seria mesmo uma maravilha estalar os dedos e, num segundo, saber tudo que fosse necessário. Mas com o tempo fui pensando em coisas mais interessantes para fazer com meus poderes mágicos. O mundo, certamente, seria mais bonito. A minha professora dizia que eu era muito distraída. Mas eu nunca entendia. Sempre fui muito concentrada no meu mundo. Pensava milhões de coisas ao mesmo tempo. Estava em diversos lugares num mesmo segundo. Já quis ser poetisa, mas nunca aprendi a rimar. Na verdade a rima sempre me pareceu uma bobagem. Ria das rimas que improvisava. E, certamente, ririam vocês também. Sempre fui de sonhar os sonhos mais estranhos. Acordava lembrando tudo. Disse uma vez que escreveria um livro algum dia contando os meus sonhos. Não consigo lembrar mais do sonho que tive hoje à tarde. Era alguma coisa de espionagem. É. Então...

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Triunfo



Da janela do quarto posso ver a rua deserta. As árvores sombrias da Macapá hoje parecem sonolentas. Sinto o cheiro da noite e percebo-me viva. Fecho os olhos, ouço o barulho do mar e o cricrilar dos grilos e vejo-me feliz.
Cantarolo baixinho a “paciência” de Lenine, aumento o tom para dizer: “A vida é tão rara!”. E repito como se um mantra fosse, até me faltar a voz...

sábado, 10 de setembro de 2011

digavocê.


*
Paralelepípedos, árvores, nuvens...
Entre sombras e chuviscos
Música
De vento, violão e grilo.
Ressoa em meus ossos.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

sábado, 30 de julho de 2011

mefazbem.


*

É noite, estou no quarto do meu sobrinho em Coité.  A janela fica localizada exatamente em cima da cama. Não há cortina. Antes de deitar pensei que não iria conseguir dormir com a claridade vinda da rua. Pensei, ainda, que iria acordar com o sol na minha cara. Deitei e percebi que de fato não iria conseguir dormir...  Não me importei com isso, poderia ficar a noite toda acordada. A luz já não me incomoda diante da maravilhosa visão que tenho neste momento: O céu estrelado atravessa a janela e inunda meus olhos.
Meu olhar se perde nos pontinhos brilhantes fazendo-me sentir imensamente feliz. Navego através do profundo azul-marinho. Atravesso mares e montanhas. Estou em outra dimensão. Sinto-me leve. Lembro minha família e meus amigos e não me sinto sozinha...  As estrelas até parecem mais luminosas. Penso que essa viagem incerta sobre este mundo misterioso vale a pena quando sabemos quem somos e que temos companhia.
Lembro o riso inocente do pequeno Arthur, riu baixinho me encolhendo no cobertor. Olho o céu e lembro o Pequeno príncipe. Sussurro suas doces palavras e sinto um peso maior em minhas pálpebras... “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”  
Sonharei com pássaros e flores.

sábado, 16 de julho de 2011

SeuFlô.


“De facão na cintura,
E 'capanga' na mão
Homem de muita fartura
E tanto amor no coração
Fez valer sua cultura
Desbravando esse sertão...” 
(Graça Carneiro)
*
                                                               

Tomei vinho, comi chocolate e fui à Saraiva aprender um pouquinho sobre a vida com Antônio e o seu Xaxado.

Ouvir suas histórias fez-me lembrar meu avô. Velho feliz. Piadista da vida, apaixonado por cordel. Cresci ouvindo suas histórias de homens valentes, desbravadores do sertão e de mulheres apaixonadas que sacudiam suas saias floridas nos bailes por esse nordeste nosso. É tão bom tirar do baú estas lembranças sutis. Agora cá estou eu, sentada nesta cadeira, com meus dedos nervosos tentando externar esse sentimento que me domina e me deixa com cara de boba perdida no tempo.

Posso sentir o cheiro do quintal de meu vô, o cheiro da horta, da madeira molhada... Posso sentir em minhas mãos a textura das colheres de pau que ele, artesão da vida, fazia com tanto esmero. Posso ouvir até a sua velha piada do ladrão de maçãs...

Gosto dessa nostalgia... Desse sentimento velho e empoeirado que resgato vez por outra em situações comuns. Faz-me sentir leve, feliz, pequena e grandiosa.

Vou olhar a lua, remexer o baú a fundo e brincar com aquelas lembranças mais solitárias... de quando eu subia no telhado de casa, olhava o céu e contava estrelas, imaginando estar aqui um dia, sentada nesta cadeira, mais velha e mais cansada, caminhando pela estrada que escolhi, construindo o futuro que já existia em meus sonhos de menina. 



sexta-feira, 8 de julho de 2011

breve.





Me desfaço e me construo no tempo, e à medida que os anos passam, meus olhos mudam e meu mundo se transforma. As paredes que me cercam hoje não são as mesmas de ontem. Amanhã, certamente, suas cores me parecerão diferentes...

sábado, 23 de abril de 2011

pequena.

*
Só vejo uma estrela no céu. Ela não parece sozinha, brilha tanto que me faz não querer parar de olhá-la. E no silencio, ouço grilos, piados, latidos distantes.
Estou feliz, mesmo sabendo que amanhã volto à salvador. Já sinto saudades daqui... Sei que é esta saudade que me faz caminhar firme, pisar leve.
Da janela vejo uma árvore robusta balançar levemente os seus galhos ao vento. Parece saudar a noite fria, parece saber... Quantos invernos já viveu? Arraigada, presa a este universo único, vendo o tempo se esvair com o vento. Não sabe ela que nesse mistério de encontros e perdas, somos andarilhos. Quem para se perde no tempo... Esquece o caminho.
Ouço um riso, não sei de onde vem. Riu também e não sei por quê. Volto à janela, olho a estrada. Hoje ela parece estar tão perto (sempre a achei distante). Sobra-me uma vontade grande de caminhar.  Esperarei amanhecer. Falta pouco.


quarta-feira, 20 de abril de 2011

além do legível.

*
Quarto escuro, lanterna sob o papel. Tento me aproximar do sono.  As idéias se misturam, a cabeça bagunça e tudo se clareia.
A lanterna faz sombra nas paredes. Vejo minha mão ampliada se metamorfosear pelo quarto. Sinto-me imensa...
Uma chuva cai mansa na janela... Acalma o tempo aqui dentro. Um ciclo está se fechando. É estranha essa sensação...
Estou curiosamente feliz, mesmo certa de que não sei nada, mesmo perguntando que dia é hoje. E a chuva cai e cai fina, miúda, como se lavasse a poeira assentada que havia; como se levasse a vida para uma nova estação. (Ela deve saber)
 Sinto-me leve, inebriada com o som do vento, extasiada com a imagem rara que dança sobre mim. É esta sombra mutável que me faz parecer pequena, que faz sentir-me grande...  

segunda-feira, 11 de abril de 2011

esó.


há sombras. há folhas. há pó.
cadeiras vazias. lembranças distantes.
cansaço. peso.
nem o vento balança estas folhas.
Nem o vento.

terça-feira, 5 de abril de 2011

oreflexodaárvorenoteto.


Sentada na varanda a olhar o céu escuro, surge em minha mente uma lembrança empoeirada. Respiro diante dessas paredes que sufocam.
Sou eu. Tenho dez anos, talvez onze. Quem sabe... Há uma escada ao pé de minha casa, estou pendurada em seu último degrau. Cotovelos apoiados nas telhas, olhar fixo mirando montes distantes. Avisto telhados. Vejo estradas. Vislumbro futuros. Estou feliz. O tempo sobra, se esvai. Não o vejo passar. Há uma vontade de ser grande.  Medo não há. Era só.
Há uma pausa. Minha cabeça dói. O cansaço me toma. Esqueço. Não há tempo de lembrar. Resta-me esta sombra no teto. E nós somos breves...

quarta-feira, 16 de março de 2011

Sobre galinhas, pães e justiça.



Era uma manhã de sábado e meu humor tinha acordado nublado como o dia. Fui trabalhar reclamando. Reclamei do café requentado, reclamei da demora do ônibus, reclamei da lotação do mesmo. Briguei com o motorista que parou longe do ponto e finalmente cheguei à avenida sete.
Atravessei a praça da piedade resmungando ao vento, no entanto, quando ia reclamar da multidão que estava na rua parei e vi algo que quase me fez desabar.
Havia uma senhora, um saco de pão e uma pequena multidão ao seu redor. Aquele pão minguado não daria pra saciar a fome nem da metade dos que ali estavam. Pouco importava. Os pequenos, com as mãos sujas e os pés descalços, dividiam e negociavam pra ver quem ficaria com o maior pedaço. (Claro que os mais espertos comeram mais.) O pão parco não foi o bastante para alimentar os famintos da praça da piedade, mas aquela cena foi suficiente para fazer despontar um sorriso em meu rosto carrancudo e por fazer-me pensar pelo resto do dia se é esse mesmo o mundo justo que acreditamos que é.
E quem me vê chegar até aqui no texto, sendo esta uma análise solicitada pelo professor de sociologia jurídica, faz uma pergunta um tanto quanto óbvia: “E o que tem isso tudo a ver com o direito?” não sei, não consigo compreender ao certo, assim como não compreendo tantas outras coisas nesta terra ensolarada. A única coisa que sei é que essa foi a primeira imagem que surgiu em minha mente quando li “o ladrão de galinhas”.
Deve ser óbvia a conexão sináptica que foi feita. E ai pego carona no juiz Rafael Gonçalves de Paula e digo: “poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.” Parece óbvio o fato de que uma parte considerável da população brasileira vive com o mínimo necessário, e que uma parte, ainda, acorda sem saber ao certo se vai ter o que comer. É tão óbvio que a gente não vê... Ou finge.
Ler a sentença do juiz Gerivaldo Alves Neiva me deixou de certa maneira satisfeita. A despeito das normas técnicas, o juiz valeu-se de questões sociológicas por muitas vezes ignoradas pelos bacharéis. Tal fato fez-me iniciar diversos questionamentos a respeito da relação entre o direito vigente e a sociedade. Dentre todos eles um perturbou-me mais que os outros: a questão da justiça.
Parece um principio simples, fácil de explicar... Parece. Inquieta que estava por não conseguir definir de forma objetiva o que seria a justiça, recorri a um velho cronista que leio vez por outra e vi que ele já havia passado pelo mesmo dilema em que estou agora: “Lutei muito durante essa semana para ver se eu conseguia, a partir do que sei sobre filosofia e teologia, chegar a uma definição de justiça. Fracassei. Não sei o que é justiça. Sei o que é o ‘sentimento de injustiça’ – uma coisa dentro da alma que diz que as coisas não deveriam ser da forma como são.” (Rubem Alves)
Percebi, então, que não adiantaria buscar explicações nos diversos escritos de autores vários, dos mais renomados aos pouco conhecidos, porque ainda assim, no final, meu questionamento primordial não estaria respondido.
Minha sobrinha de oito anos, inteligente que é, vendo minha ignorância diante de uma questão tão comum disse-me que justiça é fazer a coisa certa. Adorei sua certeza ao dizer tal frase... Senti vontade de perguntar aos meninos da praça da piedade o que pensam eles sobre o assunto. (certamente diriam que a justiça, assim como o papai Noel que nunca aparece no natal, não existe)
São várias as acepções que encontramos a respeito de tal tema, de modo geral, nos dicionários técnicos, a justiça vem atrelada ao direito como se fosse ele o responsável por garantir sua existência na sociedade. As pessoas comumente fazem essa associação, o que certamente não é errado, mas incompleto.
Ver o direito como forma imprescindível de se garantir a justiça é um tanto positivista demais. Essa velha idéia de que o sistema jurídico é perfeito e acabado vem historicamente sendo suplantada, haja vista as transformações sociais que ocorreram com o passar do tempo. (como complexo humano, a sociedade é mutável, dinâmica, o movimento transformador é constante) A sociologia jurídica nasce com o objetivo de questionar as estruturas de poder existentes, como forma teórica de se pensar maneiras práticas de fazer com que as mudanças aconteçam de fato, de garantir a força transformadora viva também no mundo jurídico. Questiona-se as interferências que o direito faz na sociedade e as necessidades sociais diante dos direitos positivados. De modo geral, o direito tem se entrelaçado cada vez mais às demais ciências sociais, tentando afastar-se das visões arquetípicas que por muito tempo vigoraram nas relações humanas.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

semsaber.

Sou apaixonada pela vida. Apaixonada pela penumbra que a lua faz sob minha cama. As estrelas fazem-me companhia nesta noite densa. Afundo-me no travesseiro, afogo-me em pensamentos. Desejos se inquietam e adormecem em mim. Há um sono pesando em minhas pálpebras e uma luz penetrando o quarto. As paredes se aproximam. Próxima estou de adormecer. Resisto. Desisto.