segunda-feira, 29 de junho de 2015

sobre esquecer


*
No silêncio da casa os segundos ecoam no relógio e minha mente que vagueia no tempo se afoga em um pensamento singelo: a consciência faz o sujeito.
Volto aos meus dez anos em algumas batidas do senhor das horas. Lá estava eu no quarto dos fundos da casa de minha avó revirando o seu baú às escondidas, pois ela nem poderia sonhar que eu desvendava seus segredos armazenados naquele misterioso caixote de madeira.
É difícil falar da minha avó... Ela era uma pessoa difícil – não existe melhor palavra para descrevê-la – mas, ao mesmo tempo, uma avó amorosa – implicava comigo, mas me ligava pra dizer que tinha cozinhado algo que eu gostava, reclamava dos meus 200 beijos pirracentos, mas sentia falta deles quando eu não aparecia –. Ela era uma pessoa enérgica! Fazia caminhadas, ia à feira livre e negociava com os feirantes, fazia doces maravilhosos e uma carne assada que me água a boca até hoje só de lembrar! Fazia fuxico, coberta e tapete de retalho e fazia crochê também (até tentou me ensinar algumas vezes). Ela não gostava que ninguém fizesse nada pra ela, ela que tinha que limpar a casa, cozinhar, cuidar das plantas, tudo. Ninguém fazia certo. Mas um dia o relógio parou de ecoar na cozinha e ela começou a esquecer. Esqueceu onde tinha colocado o vestido, esqueceu o caminho de casa, esqueceu como costurava o retalho, esqueceu a hora da missa, esqueceu a gente e ela própria.
Não pude evitar esses pensamentos hoje ajudando minha mãe a cuidar dela, não pude evitar de encher os olhos com essas lembranças. Na verdade, não quero evitar. Quero lembrar a minha avó enérgica e briguenta pra sempre.