quarta-feira, 16 de março de 2011

Sobre galinhas, pães e justiça.



Era uma manhã de sábado e meu humor tinha acordado nublado como o dia. Fui trabalhar reclamando. Reclamei do café requentado, reclamei da demora do ônibus, reclamei da lotação do mesmo. Briguei com o motorista que parou longe do ponto e finalmente cheguei à avenida sete.
Atravessei a praça da piedade resmungando ao vento, no entanto, quando ia reclamar da multidão que estava na rua parei e vi algo que quase me fez desabar.
Havia uma senhora, um saco de pão e uma pequena multidão ao seu redor. Aquele pão minguado não daria pra saciar a fome nem da metade dos que ali estavam. Pouco importava. Os pequenos, com as mãos sujas e os pés descalços, dividiam e negociavam pra ver quem ficaria com o maior pedaço. (Claro que os mais espertos comeram mais.) O pão parco não foi o bastante para alimentar os famintos da praça da piedade, mas aquela cena foi suficiente para fazer despontar um sorriso em meu rosto carrancudo e por fazer-me pensar pelo resto do dia se é esse mesmo o mundo justo que acreditamos que é.
E quem me vê chegar até aqui no texto, sendo esta uma análise solicitada pelo professor de sociologia jurídica, faz uma pergunta um tanto quanto óbvia: “E o que tem isso tudo a ver com o direito?” não sei, não consigo compreender ao certo, assim como não compreendo tantas outras coisas nesta terra ensolarada. A única coisa que sei é que essa foi a primeira imagem que surgiu em minha mente quando li “o ladrão de galinhas”.
Deve ser óbvia a conexão sináptica que foi feita. E ai pego carona no juiz Rafael Gonçalves de Paula e digo: “poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.” Parece óbvio o fato de que uma parte considerável da população brasileira vive com o mínimo necessário, e que uma parte, ainda, acorda sem saber ao certo se vai ter o que comer. É tão óbvio que a gente não vê... Ou finge.
Ler a sentença do juiz Gerivaldo Alves Neiva me deixou de certa maneira satisfeita. A despeito das normas técnicas, o juiz valeu-se de questões sociológicas por muitas vezes ignoradas pelos bacharéis. Tal fato fez-me iniciar diversos questionamentos a respeito da relação entre o direito vigente e a sociedade. Dentre todos eles um perturbou-me mais que os outros: a questão da justiça.
Parece um principio simples, fácil de explicar... Parece. Inquieta que estava por não conseguir definir de forma objetiva o que seria a justiça, recorri a um velho cronista que leio vez por outra e vi que ele já havia passado pelo mesmo dilema em que estou agora: “Lutei muito durante essa semana para ver se eu conseguia, a partir do que sei sobre filosofia e teologia, chegar a uma definição de justiça. Fracassei. Não sei o que é justiça. Sei o que é o ‘sentimento de injustiça’ – uma coisa dentro da alma que diz que as coisas não deveriam ser da forma como são.” (Rubem Alves)
Percebi, então, que não adiantaria buscar explicações nos diversos escritos de autores vários, dos mais renomados aos pouco conhecidos, porque ainda assim, no final, meu questionamento primordial não estaria respondido.
Minha sobrinha de oito anos, inteligente que é, vendo minha ignorância diante de uma questão tão comum disse-me que justiça é fazer a coisa certa. Adorei sua certeza ao dizer tal frase... Senti vontade de perguntar aos meninos da praça da piedade o que pensam eles sobre o assunto. (certamente diriam que a justiça, assim como o papai Noel que nunca aparece no natal, não existe)
São várias as acepções que encontramos a respeito de tal tema, de modo geral, nos dicionários técnicos, a justiça vem atrelada ao direito como se fosse ele o responsável por garantir sua existência na sociedade. As pessoas comumente fazem essa associação, o que certamente não é errado, mas incompleto.
Ver o direito como forma imprescindível de se garantir a justiça é um tanto positivista demais. Essa velha idéia de que o sistema jurídico é perfeito e acabado vem historicamente sendo suplantada, haja vista as transformações sociais que ocorreram com o passar do tempo. (como complexo humano, a sociedade é mutável, dinâmica, o movimento transformador é constante) A sociologia jurídica nasce com o objetivo de questionar as estruturas de poder existentes, como forma teórica de se pensar maneiras práticas de fazer com que as mudanças aconteçam de fato, de garantir a força transformadora viva também no mundo jurídico. Questiona-se as interferências que o direito faz na sociedade e as necessidades sociais diante dos direitos positivados. De modo geral, o direito tem se entrelaçado cada vez mais às demais ciências sociais, tentando afastar-se das visões arquetípicas que por muito tempo vigoraram nas relações humanas.

3 comentários:

  1. A tal ponto, só é cego quem quer, o outro que não possui condições na nossa sociedade incomoda. Os ricos beneficiários de um sistema excludente e nós que sentimos pelos que foram excluídos.
    A justiça é o caso a ser pensado, justiça social. É exatamente através de uma teoria que engloba a as variadas áreas da ciências sociais que poderemos entender como chegamos até aqui. O mais interessante seria o surgimento desse novo direito que englobasse uma práxis social realmente efetiva.

    Novos horizontes. Ultrapassamos? Novos paradigmas.

    ResponderExcluir
  2. Fernanda, parabéns!
    Passo a entender melhor o seu apego com matérias propedêuticas (tão criticadas por alguns).
    Na verdade, tais disciplinas têm o condão de despertar o nosso sentimento de justiça e de abrir nossa mente para a inevitável batalha contra as mazelas sociais e jurídicas.
    Operadores do Direito!!
    O Direito, decerto, deve andar de mãos dadas com a sociedade, e para que se encontre o bom direito, o direito justo, faz-se necessário que se tenha uma cabeça aberta e pensante, assim, “igualzinha” a sua!!
    Adorei o texto! Avante.

    Vale Lembrar que já sofri bastante com alguns juízes, diga-se, quase déspotas e seus entendimentos arcaicos, legalistas e sem o mínimo de ponderação principiológica!!
    Beijo!
    HS

    ResponderExcluir
  3. fernanda, escrevi um texto pensando nesse seu, me manda um email pra eu te enviar ele... não cabe como comentário...

    bruno.vbb@gmail.com

    abraço,
    bruno

    ResponderExcluir