terça-feira, 27 de agosto de 2013

compreender


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Tentava com todas as forças compreender a vida, mas os quilos e a idade eram poucos para tal façanha. Acomodava-se por cima do muro e punha-se a sonhar com os morros distantes. Como a fascinavam aqueles morros... Seria difícil chegar até eles? Onde será aquele lugar onde moravam os morros? Essas eram perguntas frequentes em seus dias ensolarados.  A chuva também tinha sua beleza, apesar de esconder o horizonte irregular que a encantava. Na chuva a rua parecia um rio e ela, que nunca vira um, propriamente dito, ficava da porta da frente observando. Raios e relâmpagos explodiam no céu azul-marinho e a impressionavam. – “Fecha essa porta, menina!” – ela não ouvia. O aguaceiro deixava a cidade no escuro e o silêncio era mais vivo nestas épocas. Vela, chuva, olhos abertos. Observava as sombras que a sua mão fazia com a luz da vela. – “Vai ter pesadelos desse jeito...” – tão bonitas eram aquelas sombras! E o cheiro da chuva inundava o seu corpo e ela sentia vontade de ficar a noite inteira acordada embalada pelo som dos pingos que caiam e tilintavam nos baldes, folhas, e paralelepípedos. 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

veja bem



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“Não há nada mais livre do que a imaginação humana.” Essa foi primeira coisa que eu li após o convite de um colega da faculdade para participar de um sarau sobre direito que estavam promovendo. Eu não iria participar, já havia decidido... Enrolei meu colega quando disse que iria pensar. Mas ai veio David Hume e mudou tudo. Uma fagulha despontou em minha mente assim que li o seu escrito e fiquei alguns segundos estática em meu quarto, enxergando coisas no ar. Sentei na cama, peguei meu caderninho, rabisquei alguns elementos que pairavam em minha mente e percebi que havia me enganado a respeito do fato de ter decidido não participar do sarau. A mente da gente é assim, costuma nos enganar vez por outra, ludibriando nossos desejos. Acho muitas vezes que as palavras têm poderes mágicos. Acho isso quase sempre, na verdade. Nas mãos dos bruxos certos, elas tornam-se poções incríveis que nos fazem viajar por mundos em poucos segundos. E foi exatamente isso que aconteceu. Hume me enfeitiçou - maldito! Sentei na cama e comecei a pensar no que poderia fazer de arte no direito. E minha mente iluminou-se com a ideia de que o direito é muito mais do que eu imaginava alguns segundos atrás quando estudava nos livros acadêmicos; o direito não está preso entre as paredes da faculdade, não está somente na lei fria que tira o nosso sono. Ele está no mundo, na nossa relação com o sujeito da porta da frente, com a moça que faz o cafezinho na repartição, nos olhos dos meninos de pés descalços da Praça da Piedade. O direito é vida. Nunca uma frase fez tanto sentido pra mim. Essa ideia me fez pensar que eu poderia falar sobre qualquer coisa que minha imaginação alcançasse, porque o direito está em tudo. Toda essa enxurrada trouxe a mim sentimentos muito profundos e eu pensei que não poderia falar de outra coisa senão o sertão, terra que me enche os olhos quando vê chuva! Pensei no umbuzeiro. Quando a estiagem é muita, ela é uma das poucas árvores que se mantém fértil, assim como homens e mulheres humildes desse nosso sertão. Como diria Euclides da Cunha, o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Pude enxergar em minha frente milhares de donas Marias e seus Josés e vi a justiça se transvestir em Nossa Senhora. A fé, certamente, move a vida desses sujeitos como um moinho inefável. E eu pensei no juiz. É ele elo entre o direito e a sociedade e, por isso, precisa ter olhos sensíveis ao mundo em que atua. Faço votos pra que ouçam o clamor de Chaplin – “Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!”.

terça-feira, 9 de abril de 2013

maravilha



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Caminhei pela Macapá à noite e um pensamento despontou em minha mente: Sempre gostei de árvores. Adoro as da Macapá! Trazem boas lembranças dos meus tempos de estripulias pueris! Árvores foram muito significativas em minha vida. De várias espécies, das mais robustas até as frágeis.
Na época em que o meu dia tinha mais de 24 horas e minhas preocupações diziam respeito a que brincadeira escolher para passar o tempo, havia um quintal em minha casa. As crianças tem uma visão diferenciada do mundo. Coisas pequenas parecem grandiosas e coisas simples parecem mágicas! O meu quintal parecia o maior quintal do mundo. E minha mãe, que herdou o gosto pelas plantas de meu vô Flor, dava conta de enchê-lo de folhagem de tudo quanto era tipo. Eu lembro com muito carinho do pé de maracujá. Eu adorava aquela planta maravilhosa que enramava o quintal quase que por completo e fazia sombra para que eu pudesse “cozinhar” minhas iguarias de barro na terra batida e fresca. Meus irmãos faziam guerra de maracujá e eu, “hominho” que sempre fui, entrava na brincadeira deles e saia toda roxa! Minha mãe ficava louca quando chegava do trabalho e me achava naquele estado.
Sinto ainda certo pesar ao lembrar o maracujazeiro, porque lembro também que ele morreu por minha causa (e acho que até hoje Dona Creuza não sabe disso, ou não sabia...) Eu acreditava que todas as plantas eram capazes de suportar o meu peso e resolvi escalar o pé de maracujá também... trágico.
Tinha o coqueiro que era a minha paixão e que foi plantado por vovô quando minha mãe comprou a casa. Meus irmãos faziam cabanas no fundo do quintal com as palhas do coqueiro. Para eles elas serviam de forte (ou sei lá o que) quando brincavam de guerra. Mas eu não dava mole... Invadia todas elas! Só não usucapia por conta das formigas que me atacavam. Tanto lugar no quintal e eles insistiam em montar as benditas perto da bananeira que era infestada de formigas. (talvez fosse uma estratégia...).
A coisa que eu mais gostava de fazer era subir no telhado de casa pra arrancar coco. E muitas vezes eu ficava por lá até anoitecer. Olhar o horizonte me inspirava e quando as estrelas apareciam eu ficava contando baixinho pra ninguém descobrir. Lendas urbanas rezavam que contar estrelas fazia aparecer verrugas nos dedos!
Acerola, goiaba, o pé de abacate emprestado da casa de tia Rita, mangueira, erva cidreira e todas as outras ervas que eu não sei o nome. Tinha de quase tudo, mas a melhor árvore de todas não estava no quintal de casa. Ela ficava (e ainda está lá) na frente da casa dos meus avós. Era uma linda acácia amarela. Quando ela se cobria de ouro era a maior felicidade da vida do meu vô. - “Venha cá, minha beijoqueira, ver como a minha Maravilha está linda! Foi assim que ele a denominou: “minha maravilha”. Até pouco tempo atrás eu não sabia que se tratava de uma acácia, mas isso importa pouco. Pra mim era Maravilha. E só. Não havia outra nomenclatura capaz de decifrar o que ela causava em todos nós.