Eu gosto de escrever com pouca luz. Desde pequena gostava da
penumbra. Lembro-me das quedas de energia em Coité... A luz amarelada da vela
me fazia acreditar que era um bom momento pra ler, mesmo com a minha mãe
dizendo que eu ficaria cega. Era engraçado que eu tinha medo do escuro, mas a
penumbra me parecia estranhamente mágica. Envolvia-me de uma forma
indecifrável.
Hoje, deitada de bruços com uma caneta sem-graça na mão,
contento-me com a luz fraca do abajur. Algumas manias nos acompanham por toda
vida. Chato.
Lembrei-me de uma fotografia. Eu, vestido rosa, deitada sobre
um caderno desproporcional, escrevendo poesias toscas. Eu queria ser
escritora... Cresci com essa ideia na cabeça e decidi fazer jornalismo para ser
redatora. Fiz direito.
A vida costuma nos surpreender de diversas formas. Por mais
que os dias sejam iguais, que a rotina sufoque, há sempre alguma coisa que
reluz, que faz aquele dia ser singular. Hoje mesmo eu acordei com uma vontade
grande de tomar sorvete. Fui pra faculdade, resolvi umas questões, vi meu
namorado, voltei pra casa e decidi que iria tomar sorvete. Passei no banco,
saquei dinheiro e fui numa vendinha. Não achei nem um picolé. Voltei pra casa
furiosa. Fim de tarde, saio novamente pra ir pra faculdade, passo na farmácia pra
comprar um remédio e o que encontro? Sorvete!
Comprei. fui feliz e serelepe pro ponto de ônibus com minha caixinha de
eski-bom e percebi que seria desastroso pegar ônibus cheio lotado tomando sorvete. Foi
ai que aconteceu a preciosidade do meu dia: sentei na mureta da praia para
tomar sorvete e ver o sol se pôr.
Eu não tinha me dado conta da beleza desse momento até
agora. Deitei na cama meio chateada por
ter implicado com algumas besteiras e me enrolei achando que meu dia não tinha
sido tão legal. Foi ai que lembrei esses
poucos minutos que fiquei sentada no muro da praia.
E relembrando esse momento, veio em minha mente uma questão antiga
reiterada por Kundera em “A insustentável leveza do ser”: O que vale mais, a
leveza ou o peso?
Naquele momento breve,
sentada olhando o céu e o mar, tomando o tão desejado sorvete, eu era ar. Leve como
uma pluma, flutuei.