domingo, 1 de abril de 2012

Pequena

São duas horas da manhã do dia primeiro de abril e ela acabou de dormir. Minha mãe disse que deve se chamar Francielly ou algum nome incrementado com “LL” e “Y”. Eu prefiro Maria. Fora deixada por seus pais em um bar e chegou aqui depois de meia noite, com roupas arranjadas pela senhora que a trouxe. A senhora chegou afirmando que não teria condições de cuidar da menina nesta noite e precisava de um lugar para deixá-la. Disse que foi à delegacia buscar alternativa e a mandaram para cá.
Meu pai é conselheiro tutelar desta cidade e está em sua noite de plantão. Tentou entrar em contato com outros conselheiros e, por conta do horário, não conseguiu localizar ninguém. Procurou saber se a senhora sabia algo a respeito daquela criança, se conhecia a família, mas não obteve sucesso.
O fato é que o Conselho Tutelar de Conceição do Coité não dispõe de um abrigo para crianças em situações como esta. Além disso, não há um veículo que possibilite a busca de parentes dos menores durante a noite. Dessa forma, os conselheiros acabam por ficar de mãos atadas.
A ironia é que há poucas horas, eu estava mergulhada em um livro de direito administrativo, encantada com os princípios que habitam nosso sistema. Li sobre o princípio da eficiência e entendi que o administrador deve buscar resultados positivos para o serviço público, tentando alcançar o satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. Sensatas palavras... O direito nos livros é muito bonito.
Nessa hora, por dentro de mim, uma voz ríspida ecoa: “cadê você, administração pública? Não é função sua amparar os desamparados?” – Do silêncio sobressai a voz de Dona Creuza cantarolando uma velha canção de ninar.